A Justiça não é cega

O Habeas Corpus do Banqueiro e a Crônica da Desigualdade Penal no Brasil

Imagem produzida por IA

A recente concessão de habeas corpus ao banqueiro Daniel Vorcaro, proprietário do Banco Master, investigado por crimes financeiros, gestão fraudulenta e organização criminosa em um esquema que, segundo alegações, pode ultrapassar R$ 12 bilhões, reacende um debate persistente e doloroso na sociedade brasileira: a abissal diferença de critérios na aplicação da lei penal entre ricos e pobres.

O caso de Daniel Vorcaro, que resultou na substituição de sua prisão preventiva por medidas cautelares como o uso de tornozeleira eletrônica, retenção de passaporte e restrições de contato, contrasta drasticamente com a realidade de milhares de brasileiros que, por furtos de valor irrisório — muitas vezes motivados pela fome —, são presos de forma categórica, sem a mesma flexibilidade ou celeridade processual.

A Seletividade do Sistema

A disparidade é flagrante. Enquanto o “furto famélico” (subtração de alimentos para saciar a fome imediata) enfrenta resistência nos tribunais, que frequentemente restringem o reconhecimento do princípio da insignificância, o banqueiro, cuja defesa arguiu até “risco de morte” em um presídio comum, acessa as instâncias superiores com uma agilidade que impressiona. Os argumentos jurídicos em casos de colarinho branco muitas vezes se concentram em detalhes processuais complexos ou na alegação de ausência dos requisitos para a prisão preventiva, como a garantia da ordem pública ou a instrução criminal, que parecem ser aplicados com mais rigor à população de baixa renda.

Essa seletividade penal alimenta a percepção pública de que o sistema de justiça criminal no Brasil funciona como um mecanismo de exclusão, que criminaliza a pobreza e, ao mesmo tempo, oferece um “paraíso da impunidade” para réus com alto poder aquisitivo e influência política. A sensação é de que, para os “colarinhos brancos”, o aparato jurídico é mais brando, paciente e propenso a aceitar alternativas à prisão, enquanto para o “colarinho azul”, a resposta é imediata e severa.

A Justiça Não É Cega

A conclusão que se impõe, diante de episódios como a soltura de Vorcaro, é que a Justiça brasileira não é cega — ela tem visão aguçada para as nuances socioeconômicas. O que se observa é uma “leviandade” na aplicação dos critérios legais, onde o poder econômico e a influência social parecem ditar o ritmo e o desfecho das decisões judiciais.

O habeas corpus em questão, que substitui a custódia em uma cela por medidas cautelares brandas, mostra de forma descarada as idiossincrasias de um sistema que parece flertar com a desigualdade institucionalizada. Essa decisão, certamente, aliviou a apreensão não apenas de Vorcaro, mas de outros poderosos da Faria Lima e de Brasília, que veem nesses precedentes a confirmação de que, no Brasil, o status social ainda é um fator determinante na balança da Justiça

Notícias Relacionadas