“Doutrina Donroe” de Trump retoma foco dos EUA nas Américas

Nova estratégia explicita pretensões hegemônicas sobre a região. Para especialistas, interferência na política doméstica, como no Brasil, poderá ser tendência em outros países.

Presidente Donald Trump usou processo contra Bolsonaro para justificar tarifaço em 2025 Foto: Mark Schiefelbein/AP Photo/picture alliance

Na sua nova Estratégia de Segurança Nacional, os Estados Unidos deixaram claras as suas intenções nos laços com as Américas. As explícitas pretensões hegemônicas norte-americanas na região agitam o tabuleiro latino-americano, embora os dez meses da presidência de Donald Trump já permitissem em alguma medida antecipá-las.

Já apelidada de “Doutrina Donroe” – um neologismo que combina Donald e Monroe – a estratégia destilada no documento revive a antiga Doutrina Monroe, de 1823, usada para justificar a aspiração dos EUA em se tornarem a principal potência ocidental.  “Este ‘Corolário Trump’ à Doutrina Monroe é uma restauração sensata e potente do poder e das prioridades americanas,” diz o documento. 

Além disso, o texto afirma que os EUA negarão a competidores externos “a capacidade posicionar forças ou outros meios de ameaça” ou “possuir ou controlar ativos estrategicamente vitais no nosso hemisfério”, referindo-se especialmente a China, Rússia e Irã.

O reposicionamento sucede o que o governo Trump chama de “anos de negligência” nas Américas. As últimas duas décadas foram marcadas por atenção intermitente dos EUA em relação aos vizinhos, sobretudo a partir dos ataques de 11 de setembro de 2001, quando a agenda norte-americana se voltou quase por completo ao Oriente Médio

“Gostemos ou não, Trump é o primeiro presidente norte-americano que retoma uma visão estratégica em direção ao sul do Rio Bravo (que separa EUA e México) com um enfoque explícito e sustentado”, afirma Guillermo García, do Grupo de Comunicação e Política Externa do Conselho Argentino para as Relações Internacionais (CARI).

De volta ao “quintal” dos EUA

Já para Michael Shifter, especialista em política latino-americana e professor adjunto na Escola de Estudos Internacionais da Universidade de Georgetown, a “América Latina está mais no radar de Trump do que nunca”. No entanto, afirma, a estratégia de segurança do atual presidente não é claramente ancorada em “interesses nacionais ou estratégicos, ao contrário de governos anteriores”.

As consequências mais palpáveis, na sua previsão, poderão incluir a crescente “militarização e intervenção em processos nacionais eleitorais ou judiciais”, tal como evidenciou, entre outros, o caso do Brasil neste ano. A Casa Branca usou uma suposta perseguição ao ex-presidente Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para justificar o tarifaço contra produtos brasileiros.

O texto não cita especificamente o Brasil nem outros países latino-americanos. Tampouco aparece o conceito de democracia, ao contrário dos anos anteriores, o que, para especialistas, envia um sinal verde para líderes autoritários.

Outros temas centrais são a migração, o crime organizado e a influência de potências de fora do continente. “A era da migração em massa deve terminar. A segurança fronteiriça é o elemento principal da segurança nacional. Devemos proteger nosso país da invasão, não apenas da migração descontrolada, mas também de ameaças transfronteiriças como terrorismo, drogas, espionagem e tráfico de pessoas”, diz o documento, publicado na semana passada.

Para Maureen Meyer, vice-presidente para programas do Escritório de Washington para a América Latina, a “Doutrina Donroe” demonstra que “ao governo de Trump não interessa trabalhar com outros países para enfrentar temas globais, como a pobreza”. A especialista teme que os Estados Unidos retirem seu apoio a organizações de direitos humanos, jornalistas independentes e outros atores que trabalham para fortalecer o Estado de direito na América Latina.

Respostas diversas

Devido à fragmentação nas Américas, a resposta promete ser diversa e “dependerá de uma série de fatores, como a natureza dos líderes, sua orientação política, os interesses e capacidades de distintos países, sua dependência dos EUA e os vínculos econômicos e políticos com outros parceiros globais”, observa Michael Shifter.

Para García, que é também ex-porta-voz da chancelaria argentina, governos da região observam com atenção a diplomacia entre Trump e o presidente Javier Milei. Ainda não está claro se a aproximação se traduz em crescimento, investimento e maior previsibilidade, ele diz, acrescentando que disso “dependerá em boa medida a reconfiguração dos alinhamentos no hemisfério”.

O Brasil, por sua vez, “continuará impulsionando os BRICS – que hoje incluem o Irã – como instrumento para ampliar sua margem de manobra”, prossegue.

Já o México, em contrapartida, é um dos países que não parecem ter muitas opções além de assumir uma postura pragmática com Trump, devido a seus profundos laços com os EUA.

Como a nova estratégia de segurança define como aliados aqueles que cooperam para “controlar a migração, deter o tráfico de drogas e fortalecer a estabilidade e a segurança em terra e mar”, entram nessa categoria Argentina, El Salvador, República Dominicana, Paraguai, Peru, Equador e Guatemala. Cuba, Nicarágua e Venezuela, por sua vez, são considerados inimigos. 

Fonte: DW Brasil

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